Resenha
Das práticas comerciais que temos no mercado consumerista, fica ainda o consumidor exposto a essas negociações, sendo assim tendo como efeito de vulnerabilidade a todos os consumidores finais, sem qualquer distinção. Das praticas comerciais na relação de consumo, ainda possui muitos abusos quanto na forma de se relacionar com os clientes, como na publicidade, vendas e cobranças.
Quanto no abuso das publicidades é daquelas que venham a oferecer algum tipo de produto que a loja não tem para vender, oferecem produtos abaixo do preço de mercado, sendo atrativo no preço e não pela qualidade, e até mesmo que venham acarretar em prejuízos a seus concorrentes, fazendo venda abaixo do preço de custo, desta situação não se forma uma relação de consumo entre consumidor final e fornecedor, mas sim uma prática comercial desleal o que pode ser caracterizado como crime o qual descreve no Artigo 195 da Lei nº 9.279 de 14 de Maio de 1996.
Do meio como são feito as negociações de um produto, ou seja, na hora da venda, também pode ser configurado como pratica abusiva daquelas em que os fornecedores se aproveitam da situação econômica de seus clientes, mesmo sendo ela de alto poder de compra e, mesmo assim fica o consumidor vulnerável em outra situações como, se ele sabe distinguir se um produto atende a sua necessidade e de entender as especificações técnicas. Mas também fica vulnerável aquele consumidor que necessita de um produto e seu poder aquisitivo é baixo, fica ele sujeito a parcelamentos e juros altos e não tendo outra opção senão que aceitar clausula abusivas no ato da contratação como também aceitando venda casada, essa que são agregados outros produtos e serviços na hora da negociação, o qual condiciona o consumidor em aceitar sem que ele tenha escolha e, sendo assim o valor de custo da aquisição se torna altíssimo, esta também uma pratica ilegal de acordo com o Código de Defesa do Consumidor.
Sendo de qualquer forma que seja ofertado um produto ao consumidor final, ele estará sendo a parte mais frágil da negociação.
2. Postulado de proteção contra práticas abusivas: todos são equiparados a consumidores
Isso significa que o ordenamento jurídico atenta para a realidade de que, na sociedade de consumo de massas pós-industrial em que vivemos, a proteção consumerista deve ser alçada até mesmo ao âmbito de toda a comunidade, considerada enquanto comunidade, isto é, abrangendo todas as pessoas difusa e indeterminadamente participantes do ou de qualquer forma expostas ao mercado de consumo.
Quando o texto menciona a equiparação de "todas as pessoas determináveis ou não", abrem-se as perspectivas (a) difusa; referente à comunidade de pessoas indetermináveis; e a (b) coletiva stricto sensu, em que um grupo ao menos determinável de pessoas encontra-se direta ou indiretamente lesado ou ameaçado pelas práticas comerciais.
Consumidor, portanto, não é apenas uma pessoa configurável apenas a partir de um ponto de vista estritamente contratual, ainda que relacionado ao momento pré-contratual: prescinde-se da própria referência indireta ou anterior ao contrato de consumo para que a comunidade como um todo seja tutelada e amparada pelo direito de forma difusa. Aqui, a proteção não se cinge a alcançar o consumidor potencial, são consumidores equiparados todas pessoas – toda a comunidade – ainda que não haja potencialidade de efetivamente travarem as respectivas relações de consumo, pois está-se no campo dos direitos difusos, cuja especificidade deve desvincular a tutela das concepções individualistas clássicas. A proteção do direito difuso não é uma proteção individual "coletivizada", é mais, é a proteção da sociedade enquanto tal.
Perceba a diferença para o disposto no parágrafo único do art. 2º, o qual equipara a consumidor " a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo" [grifei], o que aponta para, ao menos, uma potencial capacidade de intervenção nas relações de consumo para que a coletividade indeterminada seja abrangida. A proteção, aqui, é para todas as pessoas que poderiam ser prejudicadas pelas práticas das relações de consumo, ainda que não tenham sido efetivamente, e a nota da indeterminabilidade está na dispensabilidade da lesão.
No art. 29, a proteção é ainda mais ampla porque considera a própria comunidade titular de proteção, independentemente de qualquer outro fato ou circunstância: a prática de uma prática comercial abusiva, assim como das demais atividades englobadas pelos Capítulos V e VI do CDC, ofende à sociedade.
Percebam que faço, desta maneira, uma distinção entre duas possibilidades de direitos difusos distintos, e a técnica e os objetivos utilizados também são distinguíveis. Em um caso, a indeterminabilidade possibilita a obtenção da prova e a própria tutela; no outro, mais amplo, a proteção é uma questão de princípio. Vivemos a época da normatividade dos princípios, os quais, após terem sido relegados ao descaso tanto pelo positivismo legalista quanto pelos sistemas políticos autoritários e autocráticos que obnubilaram a própria noção de direito em nosso país, atingem finalmente a dignidade jurídica que lhes é devida em nosso sistema constitucional. Abre-se o direito para um reencontro com a ética e a moral (como em Dworkin), condicionando e determinando a atividade do intérprete e configurando, em matéria consumerista, um novo ethos a ser implementado. O art. 29 enseja uma diretriz fundamental para a definição da política legislativa consumerista, inserida nos ditames do art. 4º do próprio CDC, e inegavelmente inclui todos os agentes econômicos (p.ex., "consumidores intermediários" [01]) no seu contexto. [02]
O art. 4º, VI, do CDC, estabelece o objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo e como princípio norteador da interpretação do próprio art. 29 a "coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal", desde que "possam causar prejuízos aos consumidores". Exemplo de utilização desse dispositivo seria a ação de um empresário contra outro, talvez seu concorrente, que esteja veiculando propaganda enganosa ou abusiva ou, em outro exemplo, contra cláusula abusiva inserta em instrumento de contrato padrão produzido por este. Não se trata de norma tipicamente brasileira. Na Alemanha, desde 1976, também são controlados os contratos comerciais e suas condições gerais quando firmados entre dois profissionais e a lei portuguesa também impõe neste tipo de relação a exigência de um patamar mínimo de lealdade e boa-fé.
[03] O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem utilizando o art. 29 como fundamento para aquilo que chama de "critério finalista mitigado", o qual caminha para a corrente maximalista de definição de consumidor, para aceitar a figura do consumidor-empresário, sujeito também colocado em situação de vulnerabilidade diante das práticas comerciais abusivas.
[04] Deve-se ressaltar, ainda, que todo consumidor, equiparado ou não, possui idêntica proteção, não representando a equiparação nenhum minusem relação ao conceito padrão e geral de consumidor.
3. Práticas comerciais abusivas
3.1.Diretrizes de determinação e caráter exemplificativo
Na dicção de Antônio Herman Benjamin, citado por Efing, práticas comerciais são "os procedimentos, mecanismos, métodos e
técnicas utilizados pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de seus produtos e
serviços até o destinatário final", é dizer, práticas comerciais são todas as que "sevem, direta ou indiretamente, ao escoamento da
produção".[05]
Faz parte da principiologia de todo o direito do consumidor a proteção genérica contra todas as formas de práticas comerciais
abusivas, o que é destacado como direito "básico" do consumidor no art. 6º, IV, do CDC, in verbis:
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e
cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
Os doze incisos do art. 39 arrolam exemplificativamente uma série de hipóteses em que há práticas comerciais abusivas, as quais
foram antecipadamente cogitadas de forma abstrata pelo positivador da lei, o que não poupa, e nem impede, o trabalho de análise
pormenorizada nos mais diversos casos concretos que se apresentam da existência de práticas abusivas que lesionem ou ameacem de
lesão os consumidores.
Existem objeções ao caráter exemplicativo das hipóteses arroladas em razão da natureza "penal" de que revestiriam, tendo, com
base nessa linha de argumentação, o Presidente da República vetado o inciso X do texto original, o qual indicava que a lista era meramente
exemplificativa. Ainda que se pudesse discordar convincentemente do poder enclausurador desse veto, a Lei 8.884/94, entre outras
alterações, espancou dúvidas ao inserir a expressão "dentre outras práticas abusivas" no caput do art. Os crimes previstos no Título II não
definem como crimes o exercício de "práticas abusivas" per si, genericamente consideradas, nem utiliza esse conceito para a tipificação
penal, não havendo qualquer problema hermenêutico no caráter aberto da lista do art. 39. Outrossim, ainda que houve disposição penal
vaga ou imprecisa, ao utilizar-se da expressão "práticas abusivas", a resolução do problema limitar-se-ia ao âmbito criminal, não se
alastrando para permitir a licitude da prática.
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São práticas comerciais abusivas todas as condutas tendentes a ampliar a vulnerabilidade do consumidor. Como leciona Antônio
Carlos Efing, são "comportamentos, tanto na esfera contratual quanto à margem dela, que abusam da boa-fé ou situação de inferioridade
econômica ou técnica do consumidor. ‘É a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor’ [06],
conforme o apontamento de Antônio Herman V. e Benjamin", e mais adiante, "Assim, as práticas abusivas representam antes de mais nada
a tentativa do fornecedor agravar o desequilíbrio (i.e., vulnerabilidade) da relação jurídica com o consumidor, impondo sua superioridade e
vontade, sendo que na maior parte das vezes isto se traduz na supressão [ou redução] do direito de livre escolha do consumidor" [07]
As práticas abusivas potencialmente lesionam as esferas patrimonial e não-patrimonial do sujeito, ensejam a dupla indenização,
quando for o caso.
A profusão de normas secundárias expedidas no âmbito da Administração Pública, seja pelas agências reguladoras, seja por outras
autarquias, como o Banco Central do Brasil, ou ainda pela Administração central, que visam a consubstanciar "códigos de conduta" para os
concessionários de serviços públicos, sob a alcunha ainda de "códigos do usuário" ou do "cliente bancário", não possuem o condão de
afastar a incidência das normas do CDC, apenas sendo aplicáveis na medida em que forem legais, consonantes ao ordenamento primário.
[08],[09]
Vale ressaltar que as hipóteses consideradas práticas comerciais abusivas são proibidas independentemente da ocorrência de dano
para o consumidor, sendo norma de ordem pública a regular as relações de consumo em benefício da sociedade. Como comenta Efing, "na
verdade, o legislador quer alterada a conduta do fornecedor, atingindo objetiva e diretamente circunstâncias que poderiam resultar em danos
ao consumidor, dada a magnitude a que chegaram os problemas relativos às práticas abusivas nas relações de consumo". [10]
3.2. As práticas abusivas expressas
3.2.1. Venda casada
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a
limites quantitativos;
O consumidor deve ter ampla liberadade de escolha quanto ao que deseja consumir, razão pela qual não pode o fornecedor impor
ao consumidor a aquisição de produtos ou serviços, nem mesmo quando este esteja a adquirir outros produtos ou serviços do mesmo
fornecedor. Estabelece o CDC, aqui, a proibição da chamada "venda casada".
Pode-se diferenciar a (a) venda casada stricto sensu, como sendo aquela em que o consumidor está impedido de consumir, a não
ser que consuma também um outro produto ou serviço (o que atende à semântica mais próxima da literalidade do inciso acima), da (b)
venda casada lato sensu, em que não existe essa mesma correlação. Aqui, o consumidor pode adquirir o produto ou serviço sem ser
submetido a adquirir outro, porém, se desejar consumir outro, fica obrigado a adquirir do mesmo fornecedor, ou de fornecedor indicado pelo
fornecedor original. Ambas as hipóteses são igualmente consideradas práticas abusivas, indevidamente manipuladoras da vontade do
consumidor, que fica diminuído em sua liberdade de opção.
O fornecedor concebe, projeta e elabora o fornecimento de seus produtos e serviços considerando todos dos aspectos que
envolvem a sua colocação no mercado e o atingimento dos objetivos empresariais (resumíveis na noção de obtenção de lucro). De uma
certa forma, ao oferecer um especificamente um produto, este pode apresentar características decomponíveis ou não, pode representar um
"pacote" ou um conjunto de utilidades ou funcionalidades. É dizer, é o próprio fornecedor quem determina, em princípio, o que é unitário em
relação ao seu produto.
A defesa do consumidor, especialmente do consumidor difuso (a sociedade) pode e deve interferir na própria concepção dos
arranjos de oferecimento de produtos e serviços no mercado para que estes não sejam concebidos de forma a obrigar o consumidor a
efetuar compras casadas que não sejam de sua vontade.
Um bom exemplo sobre esse tópico é a recente medida governamental, não integralmente implementada, de determinação de
fornecimento de medicamentos em unidades ou subporções, e não apenas através dos "pacotes fechados" contendo, muitas vezes, uma
quantidade de medicamento superior às necessidades do consumidor.
Em todos os casos, haverá a possibilidade de discussão quanto ao que seria o pacote mínimo que caracteriza o produto como sendo
o que ele é; e, por outro lado, vantagens de escala podem ser favoráveis ao consumidor. O princípio, sob o aspecto que se destaca, não
exige sempre a decomposição máxima dos produtos e serviços, porém, permite a análise criteriosa quanto a ocorrência de abusos contra os
interesses dos consumidores, permitindo a interferência estatal para determinar o fornecimento no formato (quantidades, inter-relação entre
produtos e serviços, etc.) que seja mais vantajoso para os consumidores.
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Tangenciando o presente tema, mas com um aspecto que dele se diferencia, existe o problema relativo aos fornecedores que
condicionam o consumo de seus produtos ao não-consumo de outros produtos fornecidos por outros fornecedores. Essa questão pode se
identificar com a da venda casada apenas quando o fornecedor que estabelece a condição é também fornecedor do produto que proíbe o
consumo, o que evidencia a intenção de forçar ao consumo do produto próprio, retirando a liberdade de escolha do consumidor.
Outrossim, existem casos em que o fornecedor não é produtor do (tipo de) produto ou serviço que proíbe, porém, igualmente,
condiciona a utilização do seu produto ou serviço à não utilização do outro. Nesses casos, é possível que (a) o produto ou serviço proibido,
apesar de não fornecido pelo fornecedor, de alguma forma entre em concorrência, direta ou indireta, com os seus produtos, o que remete à
indevida proteção dos interesses do fornecedor, em detrimento do consumidor, configurando uma espécie de venda casada lato sensu
indireta; ou (b) que não exista essa competição.
Em relação ao exposto nesse tópico, admite-se excepcionalmente, e na medida do razoável e proporcional, a restrição da liberdade
de consumo em razão de exigências de saúde, higiene, segurança, proteção ambiental e do disciplinamento pelo poder de polícia, em geral.
Não havendo uma superior necessidade de restrição da liberdade de consumo, ditada pelo interesse público primário – e não pelo
interesse dos fornecedores –, não poderá haver restrições que, direta ou indiretamente, remetam à venda casada stricto ou lato sensu.
Relacionado à obrigação de fornecer, que é imposta ao fornecedor que ofertar ao público seus produtos e serviços, a parte final do inciso proíbe o fornecedor de restrigir quantitativamente a sua aquisição, prática que restringe a liberdade do consumidor. Se houver justa causa, sempre no interesse do atendimento da coletividade de consumidores, poderá haver restrições quantitativas, justamente para que o interesse individual de alguns consumidores não se sobreponha ao interesse público de uma coletividade, determinável ou não, de consumidores potenciais. Não são os interesses econômicos de abastecimento, de regulação de preços, nem de controle da concorrência, por parte dos fornecedores, que ensejam a possibilidade de restrição, pois a proteção estabelecida no CDC é vincada na noção de
vulnerabilidade do consumidor, sendo este o sujeito (individual ou coletivo) a ser protegido.
A imposição de venda casada, além de ser prática comercial abusiva, é também tipificada como crime contra a ordem econômica,
previsto no art. 5º, II, da Lei 8.137/90, in verbis:
II - subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço;
Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.
Para ilustrar, apresentamos a seguinte decisão do TJ/RS, em que se considera que houve a imposição de venda casada:
AÇÃO ANULATÓRIA E REVISIONAL – CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO, PECÚLIO E DE SEGURO – VENDA CASADA. As
atividades que envolvem crédito contituem relação de consumo. Art. 3º, §2º, do CDC. Juros remuneratórios fixados em 12% ao ano. A
exigência de contratar pecúlio e seguro de vida para a concessão de empréstimo, usualmente denominada "venda casada", é prática
expressamente vedada pelo art. 39, I, da Lei 8.078/1990. Compensação dos valores pagos. Apelos improvidos. [11]
3.2.2. Obrigação do fornecedor contratar
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de
conformidade com os usos e costumes;
IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento,
ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;
Relacionado ao ponto final do tópico anterior, e também à obrigação genérica de fornecer a qualquer consumidor os produtos e
serviços que são ofertados ao público (toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, é oferta e vincula o fornecedor, art. 30 do
CDC), considera-se prática abusiva a recusa de atendimento ao desejo de consumo do consumidor, o que estabelece a proibição, salvo
justa causa, de imposição de limites quantitivos, e mesmo da recusa à aquisição da menor unidade exposta a consumo. Os fornecedores
possuem a obrigação de contratar seus produtos e serviços com os consumidores que o desejarem.
Como limite evidente, encontra-se desde logo os limites de estoque, não podendo o fornecedor ser compelido a alienar o que não
dispõe.
A referência aos usos e costumes deve ser interpretada com prudência e cautela, considerando, especialmente, o caráter políticoteleológico
da principiologia inaugurada pela Constituição de 1988 e estampada no CDC. Quando da decisão dos casos concretos, o juiz
não pode se aferroar aos usos e costumes de certa localidade per si considerados, já que o CDC surgiu exatamente para transformar os
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usos e costumes de consumo em nossa sociedade, passando a proteger o consumidor, até então desprovido de tutela especial. O papel
transformador e conformador do direito é aqui colocado em relevo, devendo-se interpretar o final do inciso II no sentido de que os usos e
costumes possibilitam a restrição na medida em que estejam de acordo com os princípios de proteção da coletividade de consumidores.
O inciso IX acrescenta a noção de que a obrigação de o fornecedor contratar existe quando o consumidor se propõe a efetuar o
"pronto pagamento", o qual poderá ser realizado através de qualquer forma que seja admitida pelo fornecedor, como cartão de crédito,
cartão de débito em conta corrente, cheque, p.ex., além do pagamento em papel moeda de curso forçado.
A obrigação de contratar é ainda uma inerência ao princípio da igualdade, ao fraquear o consumo a qualquer consumidor
interessado que se prontifique a efetuar o pagamento, não havendo autonomia privada para o fornecedor direcionar o consumo para as
pessoas de sua preferência.
3.2.3. Solicitação prévia do consumidor
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
Um expediente particularmente insidioso que os fornecedores utilizam para forçar o escoamento de suas atividades aos destinatários
é enviar ou entregar seus produtos, ou prestar seus serviços, ao inadvertido consumidor, sem que este tenha manifestado qualquer vontade
anterior nesse sentido. O consumidor que recebe produto, ou que vê começar a ser executado serviço em seu proveito, sem que tenha
antes solicitado o mesmo, expõe-se a diferentes tipos de embaraços e pressões sociais e pseudo-morais, posicionando-se em situação de
fragilidade mais acentuada do que o statushabitual de vulnerabilidade em que se situa.
Inteligentemente, o CDC determina que os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, sem prévia
solicitação, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento, o que certamente arrefece os ânimos dos fornecedores
em utilizar esse ardilo expediente. No esteio do caráter educacional do projeto consumerista, é importante a constante divulgação dessa
norma, cuja justiça é incontestável em uma sociedade de consumo de massas, para que as pessoas não mais sintam-se na obrigação de
agir diante dessas situações, seja para contratar a aquisição do produto não anteriormente desejado, seja para tomarem outras providências
que os desviam de seus afazeres, como a restituição do produto indesejado, muitas vezes às suas próprias expensas.
Para exemplificar a aplicação deste inciso, apresento o seguinte extrato de decisão do TJRS:
RESPONSABILIDADE CIVIL – REMESSA DE CARTÃO DE CRÉDITO SEM SOLICITAÇÃO DO CONSUMIDOR – PRÁTICA
ABUSIVA – INDEVIDA COBRANÇA DE FATURAS MENSAIS – AUSÊNCIA DE PROVA DA ANUÊNCIA E UTILIZAÇÃO DO CARTÃO PELO
CONSUMIDOR – DANO MORAL CONFIGURADO – NEXO CAUSAL – MONTANTE INDENIZATÓRIO. 1. Apresenta-se ilegal o procedimento
do banco que envia cartão de crédito ao consumidor sem a prévia solicitação. Termo de Compromisso originado do Ministério da Justiça.
Prática abusiva – CDC, art. 39, III. Procedimento que colore a figura do ilícito, ensejando reparação por danos morais. Nexo causal
configurado. 2. A fixação do montante indenizatório a título de dano moral segue critérios subjetivos do juiz, e deve ser consentâneo à
realidade dos fatos. Proveram o apelo. [12]
3.2.4. Explorar fraqueza ou ignorância do consumidor
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para
impingir-lhe seus produtos ou serviços;
O conteúdo do disposto no inciso IV não deve ser reconduzido simplismente à teoria do erro, em que o contraente, por falta de
informação ou ignorância, possui uma falsa representação da situação que enseja o consumo. A especial proteção conferida pela legislação
consumerista vai para além da existência de erro, para considerar prática abusiva qualquer conduta do fornecedor em que esse, de qualquer
forma, venha a prejudicar o consumidor prevalecendo-se de sua fraqueza ou ignorância, tendo em vista os critérios da (a) idade, (b) saúde,
(c) conhecimento e (d) condição social, impingindo-lhe seus produtos ou serviços. Segundo Efing, "Este inciso não só reconhece a
vulnerabilidade do consumidor como sua hipossuficiência. Assim o CDC confere expresso tratamento diferenciado aos hipossuficientes". [13]
Um problema que se avulta em relação ao disposto, ainda que não se resuma a ele, é a prática de "venda por impulso", em que o
fornecedor procura manobrar psicologicamente o consumidor para que esse, irrefletidamente e levado pela emoção do momento, adquira
seu produto.
Existem técnicas específicas que buscam a promover a venda por impulso, como a venda porta-a-porta, a por reembolso postal e a
por telefone, que foram expressamente disciplinadas pelo CDC, o qual prevê um novo direito de arrependimento do contrato.
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A proteção conferida no inciso, é claro, não se restringe às vendas por impulso. Não é requisito, para a proteção do consumidor de
que se cuida no momento, que seja configurada situação ou técnica de abordagem para a venda que possa ser caracterizada como "venda
por impulso", sejam as mencionadas no parágrafo acima, sejam outras técnicas. Basta que o fornecedor tenha se prevalecido da
vulnerabilidade especial decorrente da idade, da saúde, do conhecimento ou da condição social do consumidor, o que consubstancia
disposição "aberta" a abranger uma gama de situações mais ampla do que apenas as vendas por impulso.
Em relação à idade, a Constituição confere especial proteção aos idosos (art. 230), considerados pela Lei 10.741/03 como os
maiores de sessenta anos de idade, e às crianças e adolescentes (art. 227), menores de doze e de dezoito anos de idade, respectivamente,
conforme a Lei 8.068/90.
A referência à saúde pode ensejar três sortes de vulnerabilidades diferentes: (a) a mais evidente, em que a fragilidade da saúde
diminui o senso crítico, o discernimento normal da pessoa, em uma espécie de redução de sua autodeterminação [14]; (b) a procura pela
cura, em que o consumidor-paciente fica refém de propostas terapêuticas as mais diversas; e (c) o desapego aos padrões normais de
diligência e prudência, causados por eventuais hedonismos ou fatalismos que podem invadir os sentimentos da pessoa enferma.
Em relação ao conhecimento e à condição social do consumidor, destaca-se o problema da tecnicidade de nossa sociedade atual, a
questão da informação e transparência nas diversas fases da dinâmica contratual (contrato de consumo como "ser em movimento", existente
antes, durante e após a sua celebração), que reconduz, certamente, ao problema do erro.
3.2.5. Vantagem manifestamente excessiva
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
Conforme o art. 51, parágrafo 1º, do CDC, presume-se vantagem exagerada, entre outros casos, a vantagem que: (I) ofende os
princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; (II) restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do
contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual; e (III) se mostra excessivamente onerosa para o consumidor,
considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
Vantagens indevidas, com o caput do art. 51, §1º determina, não são apenas essas, a despeito de as especificações ali contidas já
serem razoavelmente amplas o suficiente para atingir uma grande gama de situações, mas abrange também qualquer uma que "contraria o
espírito do CDC", como assevera Efing, que continua "disposto pelos seguintes dispositivos: art. 4º, inc. I (princípio da vulnerabilidade); art.
4º, inc. III (princípio da boa-fé); art. 6º, inc. II (liberdade de escolha e igualdade [mais material] nas contratações). Sendo constatada lesão
destes princípios, o desrespeito dos mesmos pelo fornecedor, estaríamos diante de uma vantagem manifestamente excessiva em favor do
fornecedor". [15] É sempre bom relembrar que as práticas comerciais abusivas ensejam a nulidade, de pleno direito, das cláusulas contratuais
delas decorrentes, conforme o art. 51, IV, do CDC.
3.2.6. Orçamento prévio e autorização expressa
VI - Executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de
práticas anteriores entre as partes;
Esta garantia está relacionada ao inciso III, pois visa a impedir a realização de serviço não autorizado anteriormente pelo
consumidor. A autorização expressa não precisa ser escrita, devendo ser inequívoca. A prova quanto à existência de autorização expressa
compete ao fornecedor, o qual deve acautelar-se nos momentos pré-contratual e de sua celebração.
Disciplinando a realização do orçamento prévio, o art. 40 do CDC determina que "o fornecedor de serviço será obrigado a entregar
ao consumidor orçamento prévio discriminando o valor da mão-de-obra, dos materiais e equipamentos a serem empregados, as condições
de pagamento, bem como as datas de início e término dos serviços."
Em norma excepcionalmente dispositiva, o parágrafo 1ºestabelece que, salvo estipulação em contrário, o valor orçado terá validade
pelo prazo de dez dias, contado de seu recebimento pelo consumidor.
Uma vez aprovado pelo consumidor, o orçamento obriga os contraentes e somente pode ser alterado mediante livre negociação das
partes (§3º), ressalvadas as alterações em benefício do consumidor, decorrentes de abusos e de desrespeito aos princípios do direito
consumerista.
Como garantia explícita, o parágrafo 4º determina que o consumidor não responde por quaisquer ônus ou acréscimos decorrentes
da contratação de serviços de terceiros não previstos no orçamento prévio, devendo o fornecedor ser responsável pelo adimplemento nos
termos do orçamento, o qual é equiparado a uma oferta.
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3.2.7. Lista negra
VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;
Este dispositivo representa um importante garantia de acesso e preservação aos direitos do consumidor, ao proibir aos
fornecedores a manutenção de cadastros ou bancos de dados acessíveis a terceiros ou, de qualquer forma, repassar a terceiros
informações sobre os consumidores relativas ao exercício de seus direitos consumeristas com o fim de prejudicá-los, qualquer que seja a
forma ou intensidade do caráter depreciativo da informação.
O consumidor tem o "direito de ter direitos"[16] e, aqui, tem o direito de não ser incluído em "lista negra de consumidores" que
costumam exercer seus direitos. Essa garantia não impede a manutenção de registros sobre o adimplemento das obrigações, pelos
consumidores, informações estas que não estão relacionadas com a imposição, pelo consumidor, do respeito aos seus direitos.
Ampliando o conteúdo do dispositivo, em consonância com a principiologia do CDC, Antônio Carlos Efing acrescenta que essa
proteção impede a divulgação de informações como, "por exemplo, que o consumidor aceitou preço acima do valor de mercado; que desfez
o negócio ou que quitou antecipadamente suas obrigações. Tais informações poderiam influenciar o outro fornecedor que pretenderia
contratar com este consumidor". [17]
3.2.8. Descumprimento de regulamentação
VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais
competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo
Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);
Os fornecedores são genericamente vinculados às normas sobre os produtos ou serviços que produzam, façam circular ou prestem,
independentemente de a norma ter sido diretamente direcionada a eles ou não. O art. 7º, inc. II, da Lei 8.137/90 estabelece que é crime "a
venda ou exposição à venda de mercadoria, cuja embalagem, tipo, especificação, peso, composição, estejam em discrepância com as
determinações legais ou não correspondam à classificação oficial. Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa".
3.2.9. Aumento arbitrário de preços
X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.
XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.
A Constituição Federal, em sua principiologia emancipatória e privilegiadora da igualdade material entre as pessoas, determina que "a
lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos
lucros" [18] [grifei]
Neste diapasão, a Lei 8.884/94, em seu art. 21, XXIV e parágrafo único, determina que "na caracterização da imposição de preços
excessivos ou do aumento injustificado de preços, além de outras circunstâncias econômicas e mercadológicas relevantes, considerar-se-á:
I– o preço do produto ou serviço, ou sua elevação, não justificados pelo comportamento do custo dos respectivos insumos, ou pela
introdução de melhorias de qualidade; II – o preço do produto anteriormente produzido, quando se tratar de sucedâneo resultante de
alterações não substanciais; III– o preço de produtos e serviços similares, ou sua elevação, em mercados competitivos comparáveis; IV – a
existência de ajuste ou acordo, sob qualquer forma, que resulte em majoração do preço do bem ou serviço ou dos respectivos
custos" [cartel].
O aumento dos preços só será aceitável, assim, quando houver (a) aumento dos custos (que não seja provocado por cartelização do
próprio setor), (b) melhoria de qualidade, e (c) alteração substancial do produto, com maior valor agregado.
Não seria necessário, por já ser implícito ao sistema, mas o CDC esclarece que é prática abusiva o fornecedor aplicar fórmula ou
índice de reajuste diverso do legalmente estabelecido, o qual é cogente. Em havendo fórmula ou índice estabelecido no contrato, deve este
ser seguido, exceto na hipótese de haver índice legal mais favorável ao consumidor. Diz, ainda, o art. 41 do CDC que no caso de
fornecimento de produtos ou de serviços sujeitos ao regime de controle ou de tabelamento de preços, os fornecedores deverão respeitar os
limites oficiais sob pena de, não o fazendo, responderem pela restituição da quantia recebida em excesso, monetariamente atualizada,
podendo o consumidor exigir à sua escolha, o desfazimento do negócio, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
3.2.10. Obrigatoriedade de prazo para adimplemento
Práticas comerciais abusivas e sociedade de consumo - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peças Página 7 de 10
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XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.
Não pode o consumidor aceitar, expressa ou tacitamente, tornar-se "refém" do fornecedor, permitindo que este determine ao seu
livre alvedrio a data de adimplemento de sua obrigação. Qualquer cláusula neste sentido será nula de pleno direito.
4. Cobrança de dívidas
4.1. Introdução
O regramento consumerista da cobrança de dívidas parte dos princípios da preservação dos direitos de dignidade do consumidor, da
sua integridade moral e patrimonial e da sua honra objetiva e subjetiva, princípios estes que encarnam valores superiores ao mero interesse
econômico do fornecedor na cobrança, o que se admite a partir da posição de vulnerabilidade em que aquele se encontra diante deste.
O fornecedor tem o dever de cuidado com a pessoa do consumidor quando da cobrança, e o abuso ou desrespeito na sua efetivação
ensejam a integral reparação dos danos materiais e morais inerentes. A "cobrança é risco profissional do fornecedor, que deve realizá-la de
forma adequada, clara e correta (art. 42 c/c arts. 30, 31, 52) e suportar seus gastos (art. 51, XII)". [19] Isso porque o crédito é figura
corriqueira e mesmo indispensável ao funcionamento do sistema de produção e consumo no modelo de livre iniciativa capitalista consagrado
pela Constituição[20], e as regras sobre a sua recuperação – a cobrança de dívidas– estão entre as mais incisivas para a proteção do
consumidor, que se encontra em especial estado de submissão diante daqueles que desejam abusivamente recobrar seus créditos.
Vivemos em um ambiente negocial-consumerista em que surge como numeroso o problema do superendividamento, a que se refere
Efing [21], o qual atinge de forma especialmente dolorosa as classes mais pobres e/ou os idosos, os quais devem merecer uma atenção
especial. Infelizmente, a política de estímulo a diversos mecanismos de incentivo à concessão de crédito, como é o crédito consignado, com
cobrança através de desconto direto em folha de pagamento, a juros verdadeiramente estorsivos, diante do baixíssimo grau de risco, estão
fazendo e irão fazer surgir uma grande camada de população superendividada.
A análise do aspecto evolutivo da proteção normativa do devedor na recuperação de créditos reflete o caráter de civilidade e de
proteção à dignidade que o instituto adquiriu recentemente, sendo que, em nossas terras, a Constituição de 1988 e o CDC foram os marcos
mais significativos do atual estágio da matéria.
Desde logo, avulta-se os deveres de informar e de cooperar com o consumidor para que este possa corretamente adimplir sua
obrigação. Em uma sociedade tecnológica e multiconsumerista, em que o consumidor é ao mesmo tempo trabalhador inserido no ambiente
competitivo de livre mercado, ao passo que consome todos os dias através de diferentes papéis por ele exercidos (no trabalho, na
administração doméstica, no lazer, etc.), pagar deve ser algo facilitado para o consumidor, não especificamente no sentido do quantum
debeatur, mas sim no sentido de que o consumidor deve ter direito à informação completa, verídica e tempestiva, de fácil entendimento, e
deve ter os instrumentos para efetuar o pagamento facilitados, devendo o fornecedor com ele cooperar neste sentido.
4.2. Cobrança de forma abusiva ou vexatória
Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de
constrangimentoou ameaça, conforme determina o art. 42, caput, do CDC, o qual, com estas três expressões, procurou abranger o conjunto
de situações que, hipoteticamente, possam atentar contra a dignidade do consumidor. Parte-se do importante pressuposto que o consumidor
inadimplente não é diminuído em sua dignidade em razão da inadimplência, não podendo ser considerado imoral nem suscetível de ataques
contra sua honra ou integridade moral, física ou patrimonial.
O fornecedor deve se utilizar de cuidado e zelo na cobrança, que, evidentemente, o CDC não visa dificultar. As regras de proteção
do consumidor não são, em si, qualquer dificultação da recuperação de créditos, apenas exigem que esta seja procedida civilizadamente.
Não pode o fornecedor utilizar-se de qualquer tipo de ameaça, conceito que não se restringe ao conteúdo tipificado penalmente no
art. 147 do Código Penal – ameaçar alguém, por palavras, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e
grave –, mas sim, como afirma Efing, abrange "qualquer atitude que incute medo ao consumidor com o objetivo de cobrar o débito". Insere
no contexto da ameaça, juntamente com o do constrangimento, a utilização de informações falsas para ludibriar o consumidor.
O constrangimento se refere a qualquer expediente que tenda coagir o consumidor, física ou moralmente, ao adimplemento do
crédito. Não pode, p.ex., o consumidor ser exposto a terceiros como estando em estado de inadimplência, como seria o caso de cobrança
ostensiva no ambiente de trabalho do consumidor, em sua residência, perante sua família ou amigos, diante de seus clientes ou
fornecedores, etc. Estes tipos de constrangimento, além de atentar diretamente contra a forma digna de se cobrar dívidas, ofendem a
privacidade do consumidor, no duplo sentido da publicidade de sua inadimplência e do conhecimento da realização do negócio jurídico que
deu origem ao débito.
Práticas comerciais abusivas e sociedade de consumo - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peças Página 8 de 10
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Tamanha foi a preocupação do ordenamento com esse problema que o legislador utilizou-se da última ratio, o Direito Penal, para
criminalizar as condutas que são consideradas mais graves entre aquelas que são cobranças abusivas ou vexatórias, nos termos do art. 71
do CDC, in verbis:
Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaças, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou
enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, ao ridículo ou interfira com seu trabalho,
descanso ou lazer:
Pena – Detenção de três meses a um ano e multa.
4.3. Cobrança de valor indevido
Conforme determina o parágrafo único do art. 42, "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por
valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável". [grifei]
A grande discussão jurisprudencial que se trava na interpretação deste dispositivo pode ser resumida na determinação do alcance
da expressão "engano justificável". Para a maior parte da doutrina, engano justificável seria aquele que não decorre nem de dolo nem de
culpa do fornecedor, como aponta Antônio Herman V. Benjamin, autor que acrescenta que engano justificável "É aquele que, não obstante
todas as cautelas razoáveis exercidas pelo fornecedor-credor, manifesta-se" [22].
Efing considera que "O engano justificável tem alcance de boa-fé, ou seja, sendo erro escusável, não deverá ser aplicável a pena da
restituição em dobro, mas sim, a restituição da importância cobrada em excesso, devidamente corrigida", e logo mais acresce que "Por tais
razões temos afirmado que as casas bancárias na realização de suas atividades profissionais – pela própria vocação contábil e financeira –
não podem como regra geral, prestarem serviços de cobrança de valores indevidos e alegarem engano justificável". [23]
No mesmo sentido caminha a opinião de Cláudia Lima Marques, do próprio Antônio Herman V. Benjamin e de Bruno Miragem, que
se revoltam contra a posição majoritária da jurisprudência, a qual "Quase que somente em caso de má-fé subjetiva do fornecedor, há
devolução em dobro, quando o CDC, ao contrário, menciona a expressão ‘engano justificável ‘como única exceção. Mister rever esta posição
jurisprudencial. A devolução simples do cobrado indevidamente é para casos de erros escusáveis dos contratos entre iguais, dois civis ou
dois empresários, e está prevista no CC/2002. No sistema do CDC, todo o engano na cobrança de consumo é, em princípio, injustificável,
mesmo o baseado em cláusulas abusivas inseridas no contrato de adesão, ex vi o disposto no parágrafo único do art. 42. Cabe ao
fornecedor provar que seu engano na cobrança, no caso concreto, foi justificado". [24] [grifei]
Pode-se considerar que a cláusula de restituição em dobro possui o efeito pedagógico e preventivo, para "evitar que o fornecedor
se‘descuidasse’ e cobrasse a mais dos consumidores por ‘engano’"[25], havendo uma presunção relativa de que o engano é injustificável,
apenas podendo ser afasta se cabalmente comprovado pelo fornecedor que o erro foi escusável. Outrossim, se, além de injustificável, a
cobrança do valor indevido tiver advindo de cláusula ou prática abusiva, como o envio do nome do consumidor para cadastros de
consumidores, caberá cumulativamente à restituição em dobro a indenização pelos danos causados, inclusive os morais.
Escrito por Eron Hartemann Santos
REFERÊNCIAS
FERRAZ, Sérgio Valladão. Práticas comerciais abusivas e sociedade de consumo. Jus Navigandi, Teresina, ano 16 (/revista/edicoes/2011), n. 3053 (/revista/edicoes/2011/11/10), 10 (/revista/edicoes/2011/11/10) nov. (/revista/edicoes/2011/11) 2011 (/revista/edicoes/2011) . Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/20409>. Acesso em: 19 set. 2012.
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